Ninguém entendeu nada quando Ludmila disse que tinha virado crente. Foi numa tarde de domingo, quando ela estava de pegação com Tiaguinho no beco atrás da farmácia. Tavam lá se atracando na parede, no maior lesco-lesco, aí sem mais nem menos, ela empurrou o garoto, limpou a boca e disse:
- Cansei. Agora sou de Jesus.
Mas não era Jesus, o filho do padeiro, não! Naquela mesma tarde, ela foi pra casa, escolheu a roupa mais cafona da avó, pôs um coque no cabelo, e para a surpresa de todos, se mandou pro culto de uma Igreja que ficava ali na esquina da Mercearia de seu Zé. E assim se seguiu no outro domingo. E no outro. E no outro. E em questão de um mês e meio, ela já fazia parte do Coral, era Professora da Escola Bíblica e Sub-Coordenadora do Grupo das Missionárias. E já não lembrava em nada - nada mesmo - a outrora piriguete predadora sanguinolenta e destruidora de lares da Boca do Rio.
Sim. Antes de virar pirigospel, Ludmila era uma devoradora insaciável. Pegava tudo e qualquer coisa que se movesse, caísse na água e fizesse TCHIBUM. Seu prato preferido era homem casado. Se fosse casado, e ainda por cima crente, aí ela não sossegava enquanto não levasse pro beco. E o que ela fazia com eles no beco, meu irmão, não queira nem saber. Daí foi que ninguém entendeu quando a garota resolveu que ela própria ia virar crente e largar a vida de sodomia e fornicação.
Foi uma tristeza, uma comoção geral, um luto eterno entre todos os homens do bairro. A Boca do Rio ficou menos suja, os assaltantes perderam a vontade de assaltar, os pinguços não queriam mais tomar cachaça, e ninguém mais morria assassinado. Uma lástima.
Só quem ficou feliz com a história foram os crentes - que comemoraram a evangelização de Ludmila quase como se tivessem derrotado Satanás em pessoa - e as esposas, que não precisariam mais se preocupar em ter seus maridos arrastados para o beco de Lud.
Mas a felicidade deles durou pouco. Ludmila, que não dormia no ponto, entrou na Igreja mesmo por que estava de olho no Pastor Walter, 26 anos de reputação ilibada, e recém-chegado do seminário de teologia em Atibaia. Não demorou muito e ela apareceu na sala do homem, nos fundos da congregação, toda espevitada, dizendo que queria confessar uns e outros pecados.
Bastaram trinta minutos de conversa pecaminosa para Ludmila dar o bote. Antes que o pobre Pastor percebesse, os dois já estavam nus, se acabando pelo chão, e já tinham violado todas as regras do Gênesis ao Apocalipse.
Quando terminaram, ela se levantou, se vestiu como se tivesse acabado de tomar um cafezinho, escreveu alguma coisa num bilhete, deixou em cima de uma mesa, e se mandou.
Pastor Walter, coitado, a essa altura não lembrava mais nem qual era o nome dele. Colocou a calça, a camisa, a gravata, e tentou se recompor. Aí olhou para a mesa e viu o bilhetinho que Ludmila havia deixado embaixo de sua Bíblia:
"A tua vara e o teu cajado me consolam. Obrigada por tudo. Beijos, Irmã Lud".